Câncer: como surge, como funciona e como evitar

Este post tem como intuito dar uma introdução de maneira simples e clara sobre a natureza do câncer: seu surgimento no organismo, suas principais características e como evitá-lo.

Apesar de ser um tema trabalhado de maneira complexa em pesquisas científicas e na academia, compreender o básico do processo de formação e as propriedades de uma célula cancerígena pode ser algo muito mais simples do que se imagina! O objetivo aqui é mostrar como o câncer funciona em sua essência e como pode ser evitado.

 

O câncer não uma única doença

Antes de compreendermos a natureza do câncer, é importante termos em mente que ao falar sobre essa patologia, não estamos nos referindo a uma única enfermidade como muitos pensam. A palavra câncer se refere a mais de 100 tipos diferentes de doenças que têm em comum uma proliferação celular descontrolada, escape dos mecanismos de morte celular e da detecção do sistema imunológico, além da capacidade de povoar outros órgãos longe de sua origem (metástase).

Uma célula cancerígena (ou cancerosa, ou ainda transformada) pode se originar em qualquer parte do corpo e evoluir para tumores que podem se espalhar, mas diferentes tipos de células transformadas irão formar diferentes tipos de câncer, cada um possuindo comportamento distinto e divergindo nas respostas às terapias. Por exemplo, um câncer de pulmão (ou seja, se originou de uma célula pulmonar transformada) terá comportamentos diferentes de um tumor de cólon, logo, estamos falando de dois tipos distintos de doenças que se originaram em órgãos diferentes, cada qual resultará em tratamentos e terapias específicas para cada caso.

 

Mutações gênicas e alterações epigenéticas

Veremos adiante que a genética tem um fator decisivo no desenvolvimento tumoral, por conta disso, dois fenômenos muito importantes e essenciais para a carcinogênese (formação de um câncer) serão mencionados ao longo dos tópicos seguintes, são eles as mutações gênicas e as alterações epigenéticas.

As células são maquinarias moleculares complexas, e necessitam constantemente fabricar diferentes tipos de moléculas, especialmente longas cadeias de moléculas orgânicas chamadas proteínas. Cada tipo de proteína possuiu diferentes combinações moleculares para ser criada, e a informação para a célula fabricar determinada proteína está em algum gene no núcleo da célula. Basicamente, os genes são em sua essência sequências de DNA que funcionam como um livro de receitas para a fabricação de compostos moleculares, principalmente proteínas.

 

Mutações gênicas

Agora, vamos imaginar a seguinte situação: você, em um dia de descanso, quer aprimorar suas habilidades culinárias e resolve preparar o pudim caseiro especial que sua mãe costumava fazer nos almoços de sábado. Por sorte, o livro de receitas dela está com você e algumas horas antes de ir para a cozinha você comenta com seu irmão mais velho que irá fazer o pudim dela. Nesse meio tempo, entre a conversa com ele e sua ida à cozinha para preparar o pudim, seu irmão, dotado de um senso de humor típico de um irmão mais velho, resolve pregar uma peça em você: ele troca no livro de receitas a xícara de chá de açúcar por uma colher de pó de café, e você, sem qualquer tipo de questionamento às receitas sagradas de sua mãe, infelizmente cai na brincadeira e compromete todo o pudim.

A história acima possui uma analogia um tanto quanto interessante com as mutações gênicas: um gene normal leva consigo uma sequência de DNA com a informação que produzirá uma proteína normal, ou em outras palavras, expressará uma proteína normal, mas um gene com um DNA mutado dará origem a uma proteína defeituosa, assim como o livro de receitas com as informações alteradas produzirá um pudim nada agradável. Logo, as mutações gênicas são alterações no DNA dos próprios genes celulares, genes esses que possuem a informação para a fabricação de proteínas, mas nesse caso, o produto dos genes alterados será uma proteína alterada, podendo comprometer alguma função específica da célula.

 

Alterações epigenéticas

Diferentemente das mutações gênicas que alteram alguma informação no DNA de um gene, nas alterações epigenéticas não há qualquer mudança na sequência de DNA de um gene, o que acontece aqui é uma alteração na expressão gênica. O gene permanece o mesmo, mas a epigenética através de diferentes meios vai definir qual gene deve ser ativado e qual deve ser silenciado. Assim, os genes ativos vão expressar seus produtos moleculares (principalmente proteínas como dito anteriormente) e os genes silenciados não irão expressá-los.

 

Todos os cânceres são doenças genéticas

O processo de formação de um câncer é em geral lento (leva-se anos ou décadas) e tem sua origem em alterações em genes muito importantes localizados no núcleo celular que regulam a proliferação das células.

As células são as unidades estruturais fundamentais dos seres vivos e muitas delas estão em constante destruição e renovação, porém, elas não morrem ou se reproduzem quando bem entendem, existe uma série de fenômenos químicos e biológicos que levam uma célula à morte, bem como há toda uma sinalização química que induz a célula a se reproduzir apenas quando realmente for necessário, tudo para manter o controle populacional celular em equilíbrio e funcionamento, além de garantir com a morte celular que erros no material genético não passem às gerações futuras.

Isso significa que caso ocorra uma mutação em alguma parte do código genético em uma célula por exemplo, existem genes que irão interromper a proliferação dessas células com defeito. Visto que uma célula se reproduz fazendo cópias de si mesma, é fundamental que haja mecanismos que a impeça de se multiplicar e, consequentemente, levar esses erros adiante. Dessa maneira, os genes que acionam esses mecanismos de parada podem interromper a proliferação celular momentaneamente ou definitivamente ou ainda induzir a morte celular, tudo para preservar o genoma para as gerações de células futuras. Também significa que uma célula só irá se multiplicar caso o ambiente sinalizar que tal processo deve ser realizado, e para isso, existem vários outros genes que controlam a replicação das células.

 

As duas linhagens de genes que promovem o câncer

Pois bem, falamos então que existem genes que preservam o material genético e impedem que erros nele passem adiante através da reprodução celular, e esse grupo de genes são chamados de genes supressores de tumor. Também falamos que existem genes que regulam e controlam a reprodução dessas células, permitindo que tal fenômeno ocorra apenas em determinadas situações, são eles os proto-oncogenes.

Sabe o que temos em comum nesses dois grupos de genes? São principalmente neles onde câncer surge! As células transformadas possuem defeitos nessas duas linhagens genéticas e ambas podem induzir efeitos semelhantes no surgimento do câncer.

 

O câncer é um acúmulo de erros genéticos

Também é importante salientar que uma única mutação (seja nos genes supressores de tumor ou nos proto-oncogenes) não leva à transformação de uma célula sadia para uma célula tumoral. Existem diversos acidentes genéticos e epigenéticos que se acumulam e que são passadas para as células descendentes ao longo do tempo, e essas novas células por sua vez, vão formar novos acidentes e passá-los adiante às suas descendentes novamente, fato este que ocorre justamente por conta das alterações nas duas linhagens de genes já mencionadas, ou seja, em suas formas normais, os genes supressores de tumor iriam expressar diversas proteínas que impediriam que essas informações genéticas erradas fossem passadas adiante, bem como os proto-oncogenes não iriam expressar seus genes de proliferação celular sem que as condições permitissem.

Contudo, em células transformadas, onde há sérias modificações nos proto-oncogenes e nos genes supressores de tumor, a célula perde a capacidade de frear as mutações e alterações genéticas, e com isso, a proliferação dessas células alteradas vai perdendo o controle e mais mutações gênicas e alterações epigenéticas vão surgindo e sendo passadas às gerações seguintes. Nesse sentido, é válido pensarmos nesse fenômeno como acontece na brincadeira de telefone sem fio, onde a informação vai se distorcendo à medida que passa pelo ouvido de cada participante, mas no caso das células, as informações distorcidas são as informações genéticas e epigenéticas alteradas a cada nova geração celular.

Células tumorais possuem alterações em diversos genes.
Diferente das células sadias, as células tumorais carregam e produzem diversas alterações no DNA.

Proto-oncogenes

Uma das principais características dos tumores é a multiplicação celular descontrolada. Nas células sadias os mecanismos de controle de replicação são controlados principalmente pelos proto-oncogenes, mas quando ocorre uma mutação em tais genes, os proto-oncogenes se transformam em oncogenes, e o resultado disso é uma superprodução de proteínas normais ou a fabricação de proteínas erradas hiperativas. Em ambos os casos, quando falamos em oncogenes, falamos de um aumento da atividade das proteínas produzidas por eles, produtos esses que irão estimular a reprodução celular. Em sua versão normal (proto-oncogenes), esses genes expressariam proteínas normais e em quantidades adequadas e controladas.

A reprodução descontrolada é sem dúvidas uma das principais peculiaridades das células tumorais, mesmo em placas de cultura celular é possível observar isso com facilidade, uma vez que as células sadias nessas culturas irão se reproduzir apenas no limite até manter o contato com as células vizinhas (inibição por contato), enquanto as células tumorais perdem essa característica e vão continuar se reproduzindo e se empilhando umas nas outras formando camadas e mais camadas como ilustrado abaixo.

Células sadias formam apenas uma monocamada em culturas de células, enquanto as células cancerígenas se empilham em diversas camadas pois não interrompem o processo de divisão celular.
Células transformadas se multiplicam desordenadamente e não respeitam os limites de contato entre elas.

Entre os principais oncogenes, podemos citar a família de proto-oncogenes Ras, que em suas formas mutadas (oncogenes), produzem proteínas hiperativas. Visto que quase 30% dos cânceres humanos possuem mutações nessa família, os oncogenes Ras estão entre os mais importantes no estudo da carcinogênese.

 

Genes supressores de tumor

Mas se por um lado temos um aumento da atividade gênica nos oncogenes, nos genes supressores de tumor ocorre o oposto: durante os processos de formação de tumores, esses genes estão inativos, seja através de mudanças genéticas ou epigenéticas.

Os genes supressores de tumor, como o próprio nome sugere, evitam o processo de transformação de uma célula sadia em uma célula cancerosa. As proteínas expressas por esses genes irão atuar em diferentes alterações celulares para evitar que possíveis erros passem às gerações futuras.

 

P53

Entre esses genes, o mais conhecido é o p53, responsável por expressar a proteína p53 também conhecida como a guardiã do genoma: em resposta a algum tipo de estresse que a célula venha a sofrer, a proteína p53 impedirá que qualquer erro se propague às células descendentes, seja interrompendo temporariamente ou definitivamente o ciclo celular ou mesmo ativando o mecanismo de morte celular programada (apoptose). Sim, a proteína p53 pode induzir a morte de uma célula danificada ou alterada para impedir sua replicação! Dessa maneira, como as células cancerígenas se encontram alteradas e muitas das vezes danificadas, não é incomum de se esperar que o gene p53 esteja inativo para garantir a sobrevivência e a proliferação dessas células, na verdade, nas células tumorais, o gene p53 é simplesmente o mais mutado entre os principais genes que promovem o câncer!

A proteína p53 protege o genoma de ser passado incorretamente para as futuras gerações de células.
A proteína p53 é comumente chamada de guardiã do genoma, uma vez que atua em resposta a algum tipo de estresse que a célula venha sofrer como sinais de hiperproliferação, hipoxia, ou danos ao material genético, dessa maneira, impedindo que qualquer alteração passe às gerações descendentes.

Os estudos feitos sobre oncogenes e genes supressores de tumor foram fundamentais para a compreensão da natureza do câncer bem como nos avanços de muitas terapias, contudo, os mecanismos genéticos dessas doenças aparentemente ainda estão longe de serem completamente entendidos, especialmente no fenômeno das metástases, em que as alterações genéticas que levam uma célula a se desprender do seu tecido de origem e colonizar regiões distantes no corpo ainda são um grande mistério.

Mesmo assim, já avançamos muito no entendimento da origem dos tumores assim como os fatores que aumentam o risco de muitos deles surgirem, e a boa notícia é que muitos deles podem ser evitados.

 

O que fazer para evitar?

Segundo a Organização Mundial de Saúde, entre 30-50% de todos os casos de câncer são evitáveis, e muitos deles exigem apenas o não consumo de substâncias nocivas ou a adoção de uma vida mais saudável para minimizar ao máximo as chances de eles aparecerem.

 

Não fume

Por mais que isso já tenha sido falado extensivamente, mas o tabaco ainda é a maior causa no mundo dos cânceres que podem ser evitados! E isso inclui tanto os cigarros tradicionais quanto os eletrônicos e vapes. Os cigarros carregam inúmeros compostos carcinogênicos que favorecem drasticamente o surgimento de tumores como os de pulmão e boca.

 

Alimente-se bem

Um dos grandes problemas de saúde pública nos dias de hoje é o câncer de intestino, uma doença que pode ser prevenida evitando o consumo de carne vermelha e gordura saturada, alimentos que também estão associadas a um tipo agressivo de câncer de próstata. Em contrapartida, a alimentação rica em frutas, legumes e grãos integrais favorecem uma maior proteção contra diversos tumores.

 

Faça atividade física e mantenha o peso ideal

Outra maneira de prevenir o câncer de intestino e possivelmente o câncer de mama é através de atividades físicas regulares. Além disso, o excesso de peso está ligado ao surgimento de vários tipos de tumores, como mama, intestino, esôfago, rim e endométrio.

No Brasil, os casos de câncer relacionados ao sobrepeso se mostram altamente alarmantes, computando mais de 40% dos investimentos em tratamento oncológico no SUS em 2018.

 

Evite bebidas alcoólicas

O álcool também está associado a um maior risco no desenvolvimento de diversos tipos de tumores, incluindo os de boca, faringe, laringe, esôfago, fígado, intestino e mama.

Esse risco aumenta com a quantidade consumida de álcool, assim como o consumo de tabaco e álcool favorece ainda mais o risco de inúmeras doenças causadas pelo álcool.

 

Evite se expor ao Sol desnecessariamente

A alta radiação solar especialmente em países tropicais como o Brasil favorece o surgimento de diferentes tumores de pele. Se precisar se expor ao Sol, use protetor solar ou vá em horários mais apropriados (início da manhã ou final da tarde).

E por falar em radiação, não se preocupe quanto à radiação emitida por celulares e micro-ondas, não há evidências suficientes quem apontem que elas sejam cancerígenas.

 

Exames preventivos

Uma outra forma de prevenção igualmente importante são os exames que podem detectar os tipos de câncer mais comuns na população: a mamografia, o exame de próstata e a colonoscopia são fundamentais para pessoas com mais de 40 anos, visto que o diagnóstico precoce aumenta muito as chances de cura. Observar manchas na pele e consultar um dermatologista regularmente também é outra forma de se prevenir de um possível câncer de pele.

 

Considerações finais

Essas são algumas dicas de como se prevenir do câncer, o que não é uma garantia, visto que se quase metade dos cânceres são evitáveis, a outra metade não é. E sobre esta outra metade, um dos fatores que mais colaboram é a idade, uma vez que as células também envelhecem e perdem a capacidade de combater as modificações genéticas de maneira eficaz como no passado.

Além disso, temos também importantes alterações genéticas que podem ocorrer nos primeiros anos de vida ou mesmo antes do nascimento, alterações essas que podem ser a causa de muitos cânceres em crianças e jovens. Mesmo assim, é válido destacar que o câncer nos primeiros anos de vida é muito raro e atinge uma parcela pequena da população de pessoas com câncer.

Por fim, é importante lembrarmos que apesar de não termos o controle nem a garantia se vamos ou não ter câncer, há muito o que podemos fazer para evitar ou mesmo curar conforme foi explicado.

Nós do Expresso Cósmico acreditamos que o conhecimento além de libertador também ajuda a salvar vidas, e esperamos ter contribuído para ambas as coisas com este post, e principalmente, também esperamos que você leve uma vida mais saudável e preventiva a partir de agora. Sinta-se à vontade para enviar esta matéria para quem você acredita que possa ajudar. Até a próxima!

 

 

Fontes:

Biologia Molecular da Célula (Alberts)

https://doi.org/10.1158/2159-8290.CD-21-1059

Smokeless Tobacco and Cigarette Smoking: Chemical Mechanisms and Cancer Prevention – PMC (nih.gov)

http://dx.doi.org/10.1016/S0140-6736(13)62224-2

http://www.oncoguia.org.br/conteudo/cigarros-eletronicos-e-vapes-podem-levar-a-epidemia-de-casos-de-cancer-de-pulmao-na-geracao-z/16554/7/#:~:text=Cigarro%20eletr%C3%B4nico%20tamb%C3%A9m%20vicia&text=O%20motivo%20%C3%A9%20explicado%20pelo,de%20uso%20do%20cigarro%20tradicional.

https://www.who.int/activities/preventing-cancer

https://www.health.harvard.edu/newsletter_article/the-10-commandments-of-cancer-prevention

https://www.gov.br/inca/pt-br/assuntos/noticias/2021/gastos-do-sus-com-canceres-associados-ao-excesso-de-peso-somam-41-1-do-investimento-em-tratamento-oncologico

https://www.cancer.org/cancer/types/cancer-in-young-adults/cancers-in-young-adults.html

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